Direitos dos pacientes oncológicos

Em MG, a Lei 23.449/2019 garante às mulheres, com alto risco de desenvolvimento de câncer de mama e de ovário, a realização de testes genéticos Em MG, a Lei 23.449/2019 garante às mulheres, com alto risco de desenvolvimento de câncer de mama e de ovário, a realização de testes genéticos

Embora a Constituição assegure o direito à saúde, algumas das tecnologias mais modernas, como exames genéticos preventivos, ainda não possuem cobertura do sistema público de saúde e sequer da rede privada.

*Dr. André Murad – Oncologista, oncogeneticista e diretor Executivo da Personal Oncologia de Precisão e Personalizada

Um dos principais motivos de aflição para os pacientes oncológicos ao receberem o diagnóstico é não saber se poderão custear as despesas do tratamento e como esse processo irá afetar compromissos como o trabalho. Ocorre que o paciente encontra guarida na Constituição da República Federativa do Brasil, que estabelece garantias fundamentais a todo cidadão, propiciando aos indivíduos condições mínimas para o pleno gozo de seus direitos, sendo que, a saúde é considerada um direito de todos e dever do Estado, com acesso universal e igualitário.

Apesar de envolver uma área um pouco diferente – o direito – nesta semana eu falarei sobre alguns desses direitos, não como fonte última dessas informações – mas para instigar pessoas interessadas a pesquisarem mais em sites como INCA, Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde etc., e também a reivindicarem seu direito à saúde, quando for o caso.

O direito à saúde garante ao paciente o diagnóstico, tratamento e remédios pelo Sistema Único de Saúde – SUS. O SUS deve oferecer todos os serviços necessários à recuperação do paciente oncológico, como cirurgia oncológica, oncologia clínica, radioterapia, hematologia e oncologia pediátrica em Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia.

O paciente com neoplasia maligna deve receber gratuitamente todos os tratamentos necessários, sendo que o primeiro tratamento deve ocorrer no prazo de até 60 (sessenta) dias contados a partir do dia em que for diagnosticado, conforme disposto na Lei nº 12.732/2012. De salientar que foi sancionada a Lei 13.896/19, que altera a Lei nº 12.732/2012, para que os exames relacionados ao diagnóstico de neoplasia maligna sejam realizados no prazo de 30 (trinta) dias.

Contudo, infelizmente, nem todas as inovações e tecnologias de ponta existentes para diagnóstico e tratamento oncológico estão disponíveis no SUS. Não é raro, recebermos, em nossa clínica, pedidos de cotações de tratamentos, que não estão disponíveis no serviço público, mas que o paciente conseguiu receber por meio da judicialização do direito à saúde, onde se busca a atuação do Poder Judiciário em prol da efetivação dessa assistência.

Também relacionado ao bem-estar e tratamento, o paciente oncológico tem direito ao Tratamento Fora de Domicílio – TFD, quando localmente não houver opção. O programa (Portaria SAS nº 055, de 24 de fevereiro de 1999) tem por objetivo garantir o acesso de pacientes moradores de um município a serviços assistenciais em outro município ou Estado.

Conforme essa normatização, o TFD pode envolver a garantia de transporte, hospedagem e ajuda de custo para alimentação, quando indicado, e é concedido, exclusivamente, aos pacientes atendidos na rede pública e referenciada. Além disso, nos casos em que houver indicação médica, poderá ser autorizado o pagamento de despesas para acompanhante.

Um importante direito da mulher que teve uma ou ambas as mamas amputadas ou mutiladas em decorrência do tratamento do câncer é o direito à realização de cirurgia plástica de reconstrução mamária, quando devidamente recomendada pelo médico responsável. A reconstrução mamária tem impacto positivo na saúde psicológica da paciente, que naturalmente se encontra fragilizada depois de passar por um tratamento tão agressivo em sua luta pela vida.

De igual forma, as pacientes do sistema de saúde privado têm esse direito garantido pela Lei Federal 10.223/01, que alterou a Lei 9.656/98. As operadoras de saúde são obrigadas, por meio de sua rede de unidades conveniadas, a prestar o serviço de cirurgia plástica reconstrutiva de mama, decorrente da utilização de técnica de tratamento de câncer utilizada.

Um direito que considero fundamental, também na rede privada, é a realização da mastectomia por pacientes que não têm uma doença já diagnosticada, mas cujo exame genético indicar a probabilidade de desenvolver câncer de mama, ou seja, uma Síndrome de Predisposição Hereditária ao Câncer. Também está garantida a cirurgia na mama oposta em paciente com câncer diagnosticado em uma das mamas.

Por outro lado, existem alguns exames preventivos que já passaram da hora de serem disponibilizados, tanto no sistema privado, quanto no público. Falo dos exames genéticos que confirmam o diagnóstico das Síndromes de Predisposição ao câncer em pessoas que se encaixam no perfil: quando há em uma família muitos casos de câncer em pessoas jovens (abaixo dos 55 anos) sem que seja possível relacionar outro fator de risco, a exemplo do tabagismo.

Esse tipo de exame possibilitaria a realização de ações preventivas personalizadas nas pessoas com diagnóstico confirmado para as síndromes hereditárias. O resultado possibilitaria um diagnóstico muito mais precoce e até o não aparecimento do tumor, diante das ações preventivas. Como resultado, teríamos – primeiramente e mais importante – milhares de vidas poupadas e, além disso, uma economia enorme tanto para o SUS, quanto para as operadoras de saúde. Afinal, prevenir é sempre melhor que remediar.

Em outubro passado, o governo mineiro deu um importante passo nesse sentido ao promulgar a Lei 23.449/2019, garantindo às mulheres com alto risco de desenvolvimento de câncer de mama e de ovário realizar gratuitamente exame para verificar possíveis mutações genéticas nos genes BRCA1 e BRCA2, que potencializam a chance de desenvolvimento dessas doenças.

No Rio de Janeiro, uma lei semelhante foi aprovada em 2015. Apesar disso, ainda não soube de nenhuma notícia sobre a aplicação prática de ambas as leis. Mas, ter a aprovação já é o primeiro passo para que, em um futuro próximo, não somente estas leis sejam aplicadas, mas para que a legislação inclua a possibilidade de análise de todas as mutações causadoras de Síndromes de Predisposição Hereditárias já identificadas.

Voltando aos direitos sociais já existentes para os pacientes oncológicos, existe ainda uma série de direitos relacionados à questão financeira do paciente, visto que muitas vezes, ele fica incapacitado de exercer suas funções normalmente. A cartilha Direitos sociais da pessoa com câncer - Orientações aos pacientes (INCA) faz referência há vários deles como:

· Saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS): possibilita ao trabalhador cadastrado no FGTS, na fase sintomática da doença, que tiver câncer ou que tenha dependente com câncer fazer o saque do FGTS (Lei nº 8.922, de 1994).

· Saque do Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep): pode ser realizado pelo paciente ou pelo trabalhador que possuir dependente com câncer, desde que na fase sintomática da doença (Resolução nº 1, de 15/10/96 Conselho Diretor do Fundo de participação do PIS/Pasep).

· Auxílio-Doença para paciente que fica temporariamente incapaz para o trabalho em virtude de doença, por mais de 15 dias consecutivos (Lei nº 8.213, de 1991, arts. 59 a 63), no caso de empregado de empresa e, a partir do primeiro dia de afastamento, no caso de contribuinte individual, facultativo(a) ou empregado(a) doméstico(a).

A Cartilha do INCA apresenta ainda muitos outros direitos e é importante que o paciente busque também aqueles benefícios previstos em seu Estado e Município ou específicos do sistema privado.

Acredito, contudo, que muitos outros direitos ainda devam ser conquistados. É necessário que as novas tecnologias para prevenção, diagnóstico e tratamento sejam rapidamente asseguradas aos pacientes oncológicos, e incorporadas na cobertura do sistema privado e público. *André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

Quer falar com o colunista? Envie um e-mail para andremurad@personaloncologia.com.br

Fonte: Saúde Plena

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