Direito à mamografia de rastreamento no Brasil

# São necessárias ações preventivas contra o câncer, tanto por parte da população, como das autoridades governamentais e instituições de saúde

Discussão sobre qual a idade ideal para iniciar a realização dos exames de mamografia ainda divide opiniões; personalização da indicação é a resposta.

André Murad - Oncologista, diretor Executivo da Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e Oncogeneticista no Centro de Câncer Brasília / Cettro

Não é novidade que a mamografia é atualmente o melhor método de base populacional para detecção precoce do câncer de mama, quando as chances de sucesso do tratamento são maiores. Chamando atenção sobre isso, na última semana, recebi um e-mail da diretora médica da Pfizer Brasil, Dra. Márjori Dulcine, a respeito da campanha Mamografia no SUS a partir dos 40 anos, cujo objetivo é engajar a sociedade brasileira a buscar a aprovação do Projeto de Decreto Legislativo 679/2019, que assegura o direito à realização da Mmamografia preventiva no SUS para mulheres a partir dos 40 anos.

Conforme lembra Dulcine, uma das atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a Lei nº 11.664/2008, é garantir a realização da mamografia a todas as mulheres a partir dos 40 anos. Mas, com base na portaria SCTIE nº 61/2015, o exame está restrito, na prática, à faixa etária dos 50 aos 69 anos.

Estamos falando sobre o direito a ter acesso a uma importante ferramenta de diagnóstico precoce e rastreamento do câncer de mama, o que deve ser assegurado a todas as mulheres, sim. Por outro lado, a discussão sobre qual a idade ideal para iniciar a realização dos exames de mamografia ainda divide opiniões.

Embora existam pesquisas demonstrando que a mamografia de rastreamento em mulheres assintomáticas com idade abaixo dos 50 anos, – que é diferente da mamografia de diagnóstico realizada em mulheres sintomáticas – não tenha um impacto muito substancial na queda da mortalidade, estudos recentes, como os publicados na The Lancet Oncology e na revista Cancer (ACS Journals), trazem evidências de que a mamografia anual, a partir dos 40 anos, está associada à redução relativa na mortalidade por câncer de mama e melhores desfechos clínicos, reforçando as recomendações das principais sociedades médicas nacionais e internacionais, conforme observou também a colega médica.

A própria Sociedade Brasileira de Mastologia e a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama - FEMAMA defendem a realização anual da mamografia em mulheres com idade entre 40 e 69 anos, seguindo a Lei 11.664/2008.

Do meu ponto de vista, a prevenção e o rastreamento devem sempre ser personalizados conforme os fatores de risco a que as pessoas estão expostas, como as Síndromes Hereditárias de Predisposição ao Câncer e também os hábitos de vida e condições ambientais.

Se por um lado iniciar o protocolo de rastreamento em idade mais jovem poderia aumentar o diagnóstico precoce, por outro, poderia expor algumas mulheres a radiação ionizante desnecessária. Em população normal, os benefícios superam os riscos, porém para mulheres com predisposição hereditária como nos casos de mutação germinativa do gene TP53 (Sindrome de Li Fraumeni), mesmo essas pequenas doses devem ser evitadas e outras formas de rastreamento, como a Ressonância Nuclear Magnética, utilizadas. Já no caso de mutações dos genes BRCA1 e 2, o ideal é que as mamografias sejam alternadas com a ressonância nuclear magnética, para que a eficácia na detecção seja incrementada.

Mas, para isso, primeiro, é necessário que o acesso a exames genéticos para diagnóstico das síndromes hereditárias seja um direito de todas as mulheres. Em Minas Gerais, algumas instituições vêm se organizando e cobrando a regulamentação da Lei 23.449/2019, que assegura, às mulheres com alto risco de desenvolvimento de câncer de mama e ovário, a realização gratuita de exame genético no SUS mineiro. Já o Projeto de Lei 265/20, em tramitação na Câmara dos Deputados, tem o objetivo de obrigar o SUS a oferecer gratuitamente, às mulheres com risco familiar, o exame de detecção de mutação nos genes BRCA1 e BRCA2.

A existência desse direito seria de grande valia no combate ao câncer. A partir da confirmação da presença das mutações herdadas geneticamente, é possível oferecer inúmeras medidas preventivas e de rastreamento ativo do câncer, evitando o aparecimento ou o detectando precocemente. Dessa forma, os médicos do SUS teriam também como indicar assertivamente a mamografia ou a Ressonância Nuclear Magnética a mulheres a partir dos 40 anos.

Mas, observem: estou falando de um cenário ideal em que tanto o acesso a exames genéticos quanto à mamografia a partir dos 40 fizessem parte dos protocolos do sistema público. Cabe a todos nós cobrar para que em um futuro próximo ambos os direitos sejam reais. Isso mudaria drasticamente a luta contra o câncer em nível nacional!

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

Quer falar com o colunista? Envie um e-mail para andremurad@personaloncologia.com.br

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