Taxas de câncer crescem entre adolescentes e jovens adultos dos
EUA
Melhor compreensão dos tipos de tumores crescentes nesse grupo permitirá aperfeiçoar
protocolos de prevenção,
rastreamento, diagnóstico e tratamento específicos
André Murad - Oncologista, diretor Executivo da Personal Oncologia de Precisão e
Personalizada e
Oncogeneticista no Centro de Câncer Brasília / Cettro
Via de regra, excetuando-se os casos hereditários, consideramos o câncer uma doença do
envelhecimento, pois o processo
de carcinogênese ocorre em longo prazo. Dessa forma, a maior parte dos protocolos indicam
exames de rastreamento em
torno dos 50, 55 anos. Contudo, os hábitos de vida da humanidade parecem estar mudando
essa regra, sendo registrados
tumores em pessoas cada vez mais jovens.
Em um estudo transversal de base populacional dos EUA, publicado este mês na revista Jama
Network Open, foi verificado o aumento da incidência de subtipos de câncer em
adolescentes e
adultos jovens, entre os anos de 1973 e 2015. As taxas de câncer aumentaram 30% nesse período na
população de 15 a 39 anos, nos Estados Unidos, de acordo com a revisão de quase meio milhão de
casos no National Institutes of Health's Surveillance.
O carcinoma renal liderou com o maior aumento de taxa. Houve também crescimentos marcantes de
carcinoma de tireoide e
colorretal (o mesmo tipo que vitimou o protagonista de Pantera Negra, o ator Chadwick Boseman,
aos 43 anos), neoplasias
de células germinativas e trofoblásticas (células de implantação e formação da placenta),
melanoma, entre outros.
Somando-se a isso, a American Cancer Society (ACS) descobriu também recentemente, nesse grupo,
aumentos semelhantes nos
cânceres de tireoide, rim, colorretal e uterino.
O que estaria causando a mudança?
As razões para os aumentos não são claras, mas fatores ambientais e dietéticos,
aumento da obesidade, assim como as
mudanças nas práticas de triagem e rastreamento de câncer são possibilidades consideráveis. Isto
é, conforme avançaram
as técnicas e protocolos de diagnósticos, mais casos foram identificados. Acredita-se que o
rastreamento do câncer e o
sobrediagnóstico (diagnóstico de doença que não provoca sintomas) sejam responsáveis por grande
parte das taxas
crescentes de carcinoma de tireoide, renal, entre outros.
Entre pacientes do sexo feminino (59,1% da população do estudo), a incidência aumentou
para 15 cânceres, incluindo
carcinoma renal, carcinoma de tireoide e melanoma, mastócitos e diversos neoplasias
linforreticulares (células que geram
reação de defesa). As taxas de cinco cânceres diminuíram, lideradas por astrocitoma não
especificado e carcinoma das
gônadas.
Já para o público do sexo masculino, a incidência aumentou para 14 cânceres, incluindo
carcinoma renal, sarcoma de
tecidos moles não especificado e carcinoma de tireoide. A incidência caiu para sete, liderada
por astrocitoma (de
células que compõem o sistema nervoso central) não especificado e carcinoma da traqueia,
brônquio e pulmão.
Conforme apontaram os investigadores, o aumento das taxas de câncer testicular pode estar
relacionado à maior exposição
pré-natal ao estrogênio e progesterona, como, por exemplo, o uso de anticoncepcionais, obesidade
e ao consumo de
laticínios, aumento da sobrevida de bebês prematuros, e maior exposição à cannabis.
Já o crescimento das taxas de câncer colorretal pode estar relacionado ao menor consumo
de vegetais, aumento de gordura
e carne processada na dieta, sedentarismo e obesidade. A infecção por papilomavírus humano
também foi citada. Por sua
vez, as maiores taxas de melanoma podem estar relacionadas ao uso das câmeras de bronzeamento
artificial.
O declínio em alguns tipos de câncer pode ter sido causado pelo maior uso de
anticoncepcionais
orais, legislação mais restritiva contra a exposição ao benzeno e outros produtos químicos, e
redução do tabagismo.
É necessário repensar os hábitos de vida
Os dados apresentados neste estudo são um alerta sobre a necessidade de repensar hábitos
de vida que se mostram tão
nocivos para nossa saúde. Embora o estudo tenha sido realizado entre a população
norte-americana, é possível relacionar
aos nossos hábitos, que caminham sempre atrás da cultura americana.
Os resultados encontrados servem também para orientar pesquisas e intervenções mais
direcionadas para prevenção,
rastreamento, diagnóstico e tratamento de tumores em adolescentes e adultos jovens.
Historicamente, o manejo do câncer em pessoas desse grupo fica entre a oncologia pediátrica e a
oncologia adulta, nenhuma das quais captura as necessidades biológicas, sociais e econômicas
distintas desse grupo.
Por fim, a continuidade de pesquisas nesse sentido é importante para compreender e abordar as diferentes questões de
saúde dessa população no futuro. Os médicos das especialidades relacionadas devem estar atentos a esses cânceres em seus
pacientes adolescentes e adultos jovens.
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É
diretor-executivo na clínica
integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo
Brasileiro de Oncologia de
Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas
causas (carcinogênese), dos
fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo
precocemente.
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Fonte:
Saúde Plena
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