Retirada preventiva de útero, trompas e ovários em mulheres com Síndrome de Lynch
Estudo publicado na revista Nature discute benefícios da cirurgia profilática; indicação deve ocorrer apenas quando pacientes já formaram a prole conforme desejo pessoal
André Murad - Oncologista, diretor Executivo da Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e
Oncogeneticista no Centro de Câncer Brasília / Cettro
Sem dúvida, desde 2011, quando a atriz Angelina Jolie anunciou a realização da cirurgia profilática para retirada dos
ovários e das trompas de Falópio, depois de já ter feito uma dupla mastectomia, houve um grande entendimento popular
sobre o que são as mutações hereditárias do câncer, em especial do gene BRCA1, relacionado ao caso da atriz, e BRCA2,
cujas mutações também têm grande impacto na predisposição aos cânceres femininos. Contudo, cerca de dez anos depois, a
discussão precisa ser ampliada para as outras síndromes hereditárias causadoras de tumores em mulheres, a exemplo da
síndrome de Lynch.
Trata-se de uma condição de predisposição familiar ao câncer causada por mutação nos genes de reparo de
incompatibilidade de DNA (MMR), que são justamente aqueles responsáveis por atuarem na identificação e correção dos
danos das moléculas de DNA. As mutações nesses genes são autossômicas dominantes. Ou seja, além de poderem ocorrer em
homens e mulheres, os filhos do portador têm 50% de chance de herdá-las.
Os indivíduos afetados podem desenvolver um pequeno número de tumores benignos de tecido epitelial (adenomas), que podem
progredir rapidamente para câncer colorretal, resultando em um início de sintomas consideravelmente mais precoce em
comparação com o câncer colorretal esporádico.
Indivíduos com síndrome de Lynch também apresentam risco aumentado de desenvolver outras formas de câncer, especialmente
o câncer endometrial, gástrico e de ovário, mas também estômago, intestino delgado, vesícula e ductos biliares,
pâncreas, trato urinário, cérebro e próstata. Em mulheres portadoras, os cânceres ginecológicos são tão comuns quanto os
cânceres gastrointestinais.
Para identificar os indivíduos com alto risco para a síndrome de Lynch, são utilizados os critérios de Amsterdam II: 1 -
ter três ou mais familiares com câncer de endométrio, intestino delgado, estômago, hepatobiliar, de pelve renal e
ureter, sendo um parente de 1º grau dos outros dois; 2 - ter casos de câncer colorretal em no mínimo duas gerações da
família; 3 - ter na família um ou mais casos de câncer colorretal diagnosticados antes dos 50 anos de idade.
Cirurgia profilática
A confirmação do diagnóstico será feita por análise genética, com um simples exame de sangue, para detecção de mutações
dos genes MMR (MLH1, MSH2, MSH6, PMS2 e EPCAM). A partir desta verificação em mulheres, o oncogeneticista irá explicar
as possibilidades preventivas, entre elas a realização da cirurgia preventiva, que inclui a retirada de útero, trompas e
ovários. Para essa indicação, devem ser considerados inúmeros fatores, entre eles, se essa paciente já teve sua prole
formada, por exemplo.
Contudo, a idade para indicação da cirurgia redutora de risco vem rendendo uma discussão também do ponto de vista da
eficácia da mesma para redução da incidência e da mortalidade.
Até recentemente, as diretrizes clínicas eram semelhantes para heterozigotos de todas as variantes genéticas dos genes
MMR, o prognóstico do câncer endometrial era considerado semelhante entre portadores de mutações patogênicas dos genes
MMR e dos sem estas mutações; e o prognóstico para câncer de ovário era considerado semelhante ao câncer de ovário em
portadoras de mutações patogênicas de BRCA1.
Apesar de haver recomendação do Grupo de Consenso Internacional de Manchester para realização das cirurgias profiláticas
depois dos 35-40 anos de idade, após a conclusão da gravidez em portadoras de Síndrome de Lynch, os dados vêm sendo
considerados fracos para tal indicação. Com o objetivo de determinar o impacto da retirada preventiva de útero, trompas
e ovários (histerectomia redutora de risco e salpingo-ooforectomia - BSO bilateral) na incidência de câncer ginecológico
e na morte de pacientes heterozigotos de variantes patogênicas MMR (path_MMR), um estudo publicado na revista Nature
analisou informações coletadas no Banco de Dados da Síndrome de Lynch (Prospective Lynch Syndrome Database - PLSD).
Com isso, os pesquisadores identificaram que a cirurgia redutora de risco aos 25 anos de idade, em portadoras da
síndrome evita o câncer endometrial, antes dos 50 anos, em 15% das participantes com variantes MLH1, 18% para MSH2, 13%
para MSH6. Já o óbito foi evitado em 2% das pacientes com variante MLH1, 2% para MSH2, 1% para MSH6. Mas, na variante
PMS2 os índices ficaram em 0%, o que significa que a mutação patogênica isolada deste gene não deve indicar qualquer
tipo de cirurgia profilática.
Por sua vez, se realizada aos 40 anos, a histerectomia redutora de risco previne o câncer endometrial em mulheres a
partir dos 50 anos em 13% (MLH1), 16% (MSH2), 11% (MSH6) e 0% (MSH6) e morte em 1% (MLH1), 2% (MSH2), 1% (MSH6) e 0%
(PMS2), respectivamente.
Já para o câncer de ovário, a cirurgia de redução de risco aos 25 anos de idade previne a incidência, antes dos 50 anos,
em 6% (MLH1), 11% (MSH2), 2% (MSH6) e 0% (PMS2) e a morte em 1%, 2%, 0% e 0%, respectivamente. Se realizada aos 40 anos,
a cirurgia previne câncer de ovário antes dos 50 anos em 4% (MLH1), 8% (MSH2), 0% (MSH6) e 0% (PMS2), e morte em 1%, 1%,
0% e 0%, respectivamente.
Com isso, os pesquisadores chegaram à conclusão de que há pouco benefício na realização da cirurgia redutora de risco
antes dos 40 anos de idade e pré-menopausa em portadoras de mutações de MSH6. Além disso, quanto à variante PMS2 não foi
encontrado nenhum benefício mensurável para redução da mortalidade. Essas descobertas podem, agora, ajudar médicos e
pacientes na tomada de decisão sobre a cirurgia redutora de risco em casos de diagnóstico de Síndrome de Lynch. Como
costumo dizer, a decisão final é sempre da paciente.
É importante lembrar que o rastreamento preventivo de tumores ginecológicos, do câncer colorretal e de tumores
associados é recomendado em indivíduos com membros da família conhecidos por terem uma mutação no gene da síndrome de
Lynch. As consultas médicas e exames devem ocorrer a cada 1 ou 2 anos, começando aos 20–25 anos de idade ou 5 anos antes
do primeiro caso registrado de tumor na família.
Além disso, a confirmação dessa síndrome permitirá lançar mão de outras estratégias preventivas, como por exemplo, a
ingestão diária de aspirina para reduzir o risco de câncer de cólon e de câncer endometrial.
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É
diretor-executivo na clínica
integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo
Brasileiro de Oncologia de
Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas
causas (carcinogênese), dos
fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo
precocemente.
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