Diagnóstico precoce aumenta as chances de cura do câncer de intestino
Infelizmente, tanto a prevenção quanto o rastreamento da doença são negligenciados pela população causando aumento de
sua incidência e mortalidade
Dr. André Murad - Oncologista, oncogeneticista e diretor Executivo da Personal Oncologia de Precisão e Personalizada
Uma paciente portadora de câncer de intestino grosso já avançado, com metástases no fígado e pulmões, me procurou há
cerca de dois anos, pois havia sido tratada, sem sucesso, com uma combinação de quimioterapia e cetuximabe – um
anticorpo monoclonal que ataca células que expressam o fator de crescimento epitelial.
Diante da situação, fizemos um sequenciamento genético do tumor e identificamos uma mutação do gene BRAF. Após
reconhecer este perfil tumoral, conseguimos incluí-la em um estudo clínico internacional, conduzido no Centro de
Pesquisas Clínicas da Personal Oncologia de Precisão e Personalizada, que testava uma combinação de duas medicações
ativas em tumores com mutação BRAF (encorafenibe e binimetinibe) e o próprio cetuximabe. Houve uma excelente resposta
tumoral e a paciente se mantém em condições clínicas favoráveis até o momento.
O caso dela chama atenção para o sucesso dos tratamentos direcionados às características genéticas tumorais e, sendo uma
exceção no que diz respeito ao sucesso do tratamento quando o tumor já está em estágio avançado, nos alerta para a
importância de identificar o tumor ou até mesmo a predisposição genética precocemente.
O que é
Antes de fazer as demais considerações, é necessário explicar que o câncer colorretal abrange tumores que acometem um
segmento do intestino grosso (o cólon) e o reto. Trata-se de um dos tipos mais tratáveis quando diagnosticado de forma
precoce. Inclusive, as lesões precursoras de câncer de intestino (os chamados pólipos colônicos) podem ser removidas
mesmo antes que se transformem em um tumor maligno, e por via endoscópica, durante a realização da colonoscopia (através
de um aparelho que se chama colonoscópio, que percorre todo o intestino grosso internamente através do ânus), sem a
necessidade da remoção cirúrgica de parte do intestino, como usualmente ocorre quando o câncer já se encontra instalado.
No câncer já instalado, mas detectado na sua fase precoce, a porcentagem de cura é elevada (acima de 70 e 90%) com o
tratamento cirúrgico, complementado ou não pela quimioterapia, desde que a doença não tenha se disseminado para
outros órgãos.>
Prevenção e rastreamento personalizados
Como sempre defendo, os exames de rastreamento devem ser indicados de forma personalizada dependendo dos fatores de
riscos individuais, especialmente o histórico familial. Destaca-se que cerca de 85% dos pacientes têm causas ambientais
e os 15% restantes possuem componentes genéticos hereditários.
Há dois grupos distintos para quais o rastreamento é diferenciado. Primeiramente, o grupo de baixo risco é composto de
pessoas que não são portadores de doença inflamatória intestinal e não possuem história familiar de câncer de cólon.
Pessoas nessas condições devem iniciar rastreamento a partir dos 50 anos.
Os exames devem incluir pesquisa de sangue oculto nas fezes (anual); a colonoscopia (o ideal) ou retossigmoidoscopia a
cada 3 anos (se o primeiro exame for normal). Essa indicação, contudo, tem sido questionada à luz de estudos mais
recentes, que não identificaram redução da mortalidade por câncer de intestino com o rastreamento com colonoscopias em
pessoas do grupo de baixo risco.
Grupos de risco aumentado
Há também o grupo de risco aumentado formado por pessoas com antecedente pessoal ou familiar de câncer do intestino,
ovário, endométrio, mama, tireoide ou portadoras de Síndrome de Lynch (doença genética hereditária que predispõe a
cânceres, especialmente de intestino e endométrio), que devem iniciar o rastreamento a partir dos 40 anos (ou 5 anos
antes da idade de diagnóstico do familiar com doença mais jovem) através de colonoscopia.
Já as pessoas com antecedente de doença inflamatória intestinal (retocolite ulcerativa ou doença de Crohn) devem
iniciar o rastreamento ao completar entre 7 e 10 anos de tratamento da doença.
Por sua vez, os portadores da doença genética polipose adenomatosa familiar (PAF) apresentam pólipos múltiplos
intestinais e câncer de colorretal em idade muito jovem, por vezes ainda na puberdade/adolescência. Um especialista vai
determinar a melhor idade para se iniciar o rastreamento e também a cirurgia de remoção preventiva do intestino grosso.
Sempre me perguntam: e o toque retal? Para ambos os grupos, de baixo risco ou risco aumentado, o exame toque retal
realizado pelo médico deve fazer parte do exame clínico geral, pois avalia a borda anal, todo o reto e a próstata
(em homens), devendo ser utilizado tanto em homens quanto em mulheres.
Síndromes hereditárias
Voltando às pessoas de risco hereditário, a síndrome de câncer colorretal hereditário se subdivide em polipose, que
compreende a polipose adenomatosa familiar (PAF), a polipose familiar juvenil e a síndrome de Peutz-Jegher; e não
poliposa, representado pelo câncer colorretal hereditário não polipóide (HNPCC) ou síndrome de Lynch.
Essas doenças hoje são detectadas com eficácia através da análise genética do DNA de células da saliva ou sangue. Uma
vez identificada a mutação ou mutações predisponentes, um aconselhamento especializado é oferecido, e as condutas
preventivas variam entre colonoscopias anuais, uso de medicamentos preventivos como a aspirina e até a remoção
preventiva do intestino grosso.
Prevenção geral
A prevenção, claro, é universal. Vale para todas as pessoas. Se o leitor alguma vez ouviu a expressão "você é o que você
come", saiba que ela é muito verdadeira, sendo a alimentação relacionada não só ao câncer de intestino, mas a muitos
outros. Dessa forma, a prevenção deste câncer inclui, além do controle de peso e atividade física regular, a alimentação
saudável, com consumo de fibras (25 a 30g de fibras), frutas e vegetais frescos, redução de gorduras na dieta
(principalmente as de origem animal e a gordura trans), de carne vermelha, de alimentos processados, embutidos,
enlatados e de álcool.
Infelizmente, esses cuidados não são seguidos e o mundo moderno faz com que tenhamos hábitos de vida que aumentam as
taxas da doença. Paralelamente a isso, as pessoas em geral não se conscientizam da necessidade dos exames de
rastreamento, o que reduziria dramaticamente a incidência e a mortalidade pela doença.
Incidência
Em todo o mundo, o câncer colorretal é o terceiro tipo mais comum de câncer, correspondendo a cerca de 10% de todos os
casos. Em 2017, ocorreram 1,6 milhão de novos casos e 730 mil mortes pela doença. É mais comum em países desenvolvidos,
onde ocorrem 65% dos casos e é mais frequente em homens do que em mulheres. No Brasil, a estimativa é de cerca de 34.280
por ano, sendo 16.660 homens e 17.620 mulheres (2016 - INCA). Já o número de mortes chega a 15.415, sendo 7.387 homens e
8.024 mulheres (2018 - INCA).
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica
integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do
câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo
e diagnosticá-lo precocemente.
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