Combate à obesidade é ferramenta fundamental contra Câncer Ginecológico
Mês de conscientização: Descontrole hormonal, processo inflamatório crônico e erro alimentar justificam obesidade como causa do câncer
Dr. André Murad – Oncologista, diretor Executivo da Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e Oncogeneticista no Centro de Câncer Brasília - Cettro
Setembro é também o mês de conscientização do Câncer Ginecológico, que inclui câncer do colo de útero e de ovário, além
dos tumores de endométrio, vagina e vulva. Meu alerta nesta semana é, sobretudo, a respeito da obesidade e sedentarismo
como fatores de risco para o desenvolvimento destes e de outros tipos de tumores. Trata-se do segundo principal fator de
risco para o desenvolvimento de câncer, atrás apenas do tabagismo, de acordo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Entre os inúmeros estudos epidemiológicos relacionando a obesidade ao aparecimento de câncer, um mais recente, da União
Internacional de Controle do Câncer, comprovou a relação direta entre obesidade e câncer. Ele estima que 30% dos casos
da doença nos países ocidentais estejam relacionados ao sedentarismo e ao excesso de peso.
No Brasil, mais de 80 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 60% da população, estão com excesso de peso, enquanto 15
milhões são consideradas como obesas. Conforme dados do Vigitel de 2018, as mulheres apresentaram taxa de obesidade
ligeiramente maior, com 20,7%, em relação aos homens, 18,7%. Também foi registrado crescimento considerável de excesso
de peso entre as mulheres brasileiras: 40%, contra os 21,7% entre o público masculino.
Porque obesidade causa câncer
As hipóteses que justificam a associação de câncer e obesidade se sustentam em quatro pilares: causas hormonais,
processo inflamatório crônico, erro alimentar e causas diretas.
Hormônios - Nas causas hormonais, o excesso de tecido gorduroso leva a um aumento da quantidade de estrógeno circulante,
que por sua vez está ligado ao aumento de incidência de tumores, como os de mama, útero e intestino. As pesquisas também
sinalizam nos obesos um aumento da quantidade de uma substância denominada de IGF (fator insulina-símile), responsável
pelo crescimento e multiplicação celulares.
Processo inflamatório crônico - Por outro lado, o excesso de gordura nos adipócitos (células gordurosas do corpo)
provoca um processo inflamatório crônico, que por sua vez libera continuamente substâncias tóxicas e indutoras de
inflamação e cânceres nas células normais.
Alimentação - Já a alimentação deve ser um dos pontos de maior atenção para se evitar os efeitos cumulativos da
obesidade como fator de desenvolvimento de cânceres. Carnes artificialmente conservadas especialmente as salgadas e
defumadas, como a carne de sol e o bacon, além das processadas, enlatadas e embutidas causam câncer de estômago, cólon,
esôfago e possivelmente pâncreas. A única forma considerada segura de conservação da proteína animal para a saúde é a
refrigeração. A conservação química provoca uma transformação do nitrato em nitrito e, posteriormente, já organismo, do
nitrito em nitrosamina, que por sua vez é um poderoso agente cancerígeno. Uma dieta rica em calorias, gordura saturada,
gorduras trans e proteína animal e pobre em fibra vegetal, verduras legumes e frutas é relacionada ao surgimento de
tumores de mama, endométrio, próstata, intestino grosso e vesícula biliar.
Causa direta – A obesidade contribui para o aumento do volume do abdômen e aumenta o refluxo de ácido gástrico para o
esôfago. Essa é uma causa direta que está associada a maior incidência de câncer na porção final do esôfago, canal que
liga a faringe com o estômago.
Tecido Adiposo e Carcinogênese
Estudos baseados na análise de amostras clínicas e modelos de camundongos enfocam o papel das células do tecido adiposo
no envelhecimento e no aparecimento de doenças em pessoas saudáveis. Descobriu-se o fenômeno da mobilização e tráfico de
células adiposas para tumores e o efeito estimulador das células estromais adiposas na progressão do câncer. O corpo
humano tem essencialmente dois tipos de tecido adiposo: branco e marrom. Nascemos com principalmente adipócitos marrons,
cheios de mitocôndrias, que queimam energia e produzem calor que nos defende contra hipotermia, obesidade e diabetes.
À medida que envelhecemos e ganhamos peso, começamos a perder nossas células adiposas marrons e aumentamos o número de
células adiposas brancas armazenadoras de lipídios. Se você ingere excesso de calorias, os adipócitos brancos aumentam
seus estoques lipídicos e aumentam em número. Com isso, há também um aumento no risco de várias doenças, sendo uma delas
o câncer.
Atividade física e redução do risco de câncer
Os estudos demonstram que, independentemente da massa corpórea, mulheres e homens ativos fisicamente apresentam risco
mais baixo de desenvolver alguns dos tipos mais prevalentes de câncer da espécie humana: câncer de mama, de próstata e
de cólon.
Uma meta-análise, com 19 pesquisas, sobre a relação entre atividade física e o aparecimento de câncer de cólon
demonstrou que mulheres ativas apresentam risco 29% menor de desenvolver a doença do que as sedentárias. E que, entre os
homens ativos, o risco é 22% mais baixo.
Com estes dados, podemos afirmar que a prática de exercícios físicos regulares não só é fundamental para o processo de
perda de peso, como para a prevenção direta de vários tipos de câncer. Diversos mecanismos biológicos podem ser evocados
para explicar o efeito protetor do exercício na evolução de tumores malignos. Os mais aceitos consideram que o trabalho
muscular reduz os níveis sanguíneos de insulina e de certos fatores de crescimento liberados pelo tecido adiposo,
capazes de estimular a multiplicação das células malignas.
Reduzir em 50% a probabilidade de morrer de câncer de mama ou de intestino, pela adoção de um estilo de vida mais ativo,
é um resultado inacreditável: nenhum tipo de radioterapia ou de quimioterapia – por mais agressiva que seja – demonstrou
provocar esse impacto. Recomenda-se a prática regular de exercícios físicos pelo menos 3 vezes por semana com duração de
pelo menos 1 hora.
Prevenção e rastreamento precoce do câncer ginecológico
Além do combate à obesidade, a prevenção dos tumores ginecológicos deve incluir a vacinação contra HPV - Papiloma Vírus
Humano, o uso de preservativos nas relações sexuais de risco e o controle de outros fatores de risco ambientais,
comportamentais e genéticos, sendo eles:.
• Excesso de gordura corporal
• Diabetes mellitus
• Dietas com elevada carga glicêmica (Carga glicêmica representa a quantidade e a qualidade dos carboidratos. Assim, uma
alimentação rica em produtos processados e ultraprocessados aumenta o risco para esse câncer)
• Hiperplasia (crescimento) endometrial
• Falta de ovulação (deixar de ovular) crônica
• Uso de radiação anterior para tratamento de tumores de ovário
• Uso de estrogênio (hormônio feminino) para reposição hormonal após a entrada na menopausa
• Menarca (primeira menstruação) precoce
• Menopausa (quando a mulher deixa de menstruar) tardia
• Nuliparidade (nunca ter engravidado ou ter tido filhos)
• Síndrome do ovário policístico
• Predisposição genética: ex.: Síndrome de Lynch (câncer de endométrio) e Síndrome de Predisposição a Cânceres de Mama e
Ovário por mutações dos genes da família BRCA (1 e 2).
Como oncogeneticista, destaco especialmente esse último item, a predisposição genética, responsável por entre 10 e 15%
dos casos de câncer. Para esse grupo de mulheres, é importante a confirmação do diagnóstico da síndrome, possibilitando
a elaboração de uma estratégia personalizada para controle dos fatores de risco ambientais e rastreamento precoce. Além
da prevenção, a visita anual ao ginecologista, que indicará exames de imagem e biópsias, se for o caso, é fundamental
para rastreamento e detecção precoce.
Por fim, devemos sempre lembrar que além de câncer, a obesidade também causa outras doenças importantes como o diabetes,
doenças cardiovasculares (como hipertensão arterial, doenças coronárias, infarto do miocárdio, acidentes vasculares
cerebrais e risco aumentados de tromboses), problemas ortopédicos, apneia e outros distúrbios respiratórios, depressão,
esteatose hepática, infertilidade e aumento dos níveis de colesterol. Resumindo, o combate à obesidade é uma luta por
uma vida saudável de forma ampla. Não há argumento contra isso.
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica
integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do
câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo
e diagnosticá-lo precocemente.
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Saúde Plena – Jornal Estado de Minas
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