Qual o peso do álcool na incidência e mortalidade por câncer nos EUA?
Assim como ocorre no tabagismo, o combate a esse hábito, com implementação de protocolos mundiais, políticas federais e estaduais, mostra-se como ferramenta eficaz contra câncer
André Murad - Oncologista, diretor Executivo da Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e
Oncogeneticista no Centro de Câncer Brasília / Cettro
O tema álcool é recorrente quando falamos do combate ao câncer devido a sua influência direta no processo de
carcinogênese. Tumores de boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, fígado, intestino (cólon e reto) e mama, além de
pelo menos outras 200 doenças e lesões são comuns de aparecer em pessoas com hábitos alcoólicos.
Mas será possível quantificar os casos de câncer diretamente causados pelo consumo dessa droga? Foi o que buscaram
fazer, recentemente, pesquisadores norte-americanos, descobrindo que nos EUA, em média, o consumo de álcool é
responsável por 4,8% dos casos de câncer e 3,2% das mortes por câncer.
O estudo foi o primeiro a estimar a carga do câncer relacionada ao álcool em cada estado. Conduzido por Farhad Islami,
MD, PhD e colegas da American Cancer Society (ACS), teve resultados publicados online na Cancer Epidemiology.
Para chegar aos resultados, eles analisaram os dados de incidência e mortalidade de câncer por idade, sexo e estado
(2013-2016), do banco de dados de Estatísticas do Câncer dos EUA, em adultos com 30 anos de idade ou mais.
Além disso, estimaram o consumo de álcool estratificado por sexo e idade em nível estadual, autorrelatado, usando
pesquisas do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco Comportamentais para 2003-2006.
Quando analisado o efeito do consumo de álcool em tipos específicos de câncer, a proporção foi ainda maior: 12,1% dos
cânceres de mama femininos, 11,1% dos cânceres colorretais, 10,5% do fígado e 7,7% dos cânceres de esôfago. Além disso,
em 46 estados, o álcool foi responsável por aproximadamente 45% dos diagnósticos de cavidade oral / faríngea e 25% dos
diagnósticos de câncer de laringe.
O estudo também mostrou que as estimativas específicas do estado para casos e mortes por câncer variaram amplamente, de
2,1% a 5,0%, em homens, e de 1,4% a 4,4%, em mulheres. As proporções de câncer atribuíveis ao álcool tendem a ser
maiores na Nova Inglaterra e nos estados do oeste e menores nos estados do centro-oeste e sul, com duas notáveis
exceções: Delaware teve o maior número de casos de câncer relacionados ao álcool (6,7%) e de mortes (4,5%), entre
homens e mulheres combinados; e Utah teve o menor (2,9% e 1,9%, respectivamente).
Esse padrão é mais frequente em homens (25,3%) e foi mais observado nas capitais Cuiabá (33,1%), Salvador (31,7%) e no
Distrito Federal (30,9%). Entre as mulheres a frequência de consumo abusivo aumentou de 11% em 2018 para 13,3% em 2019,
com destaque para as capitais Salvador (18,1%), Rio de Janeiro (17,6%) e Palmas (17,4%).
Trata-se de um dado alarmante, visto o câncer de mama ser o tipo mais comum em todo o mundo (11,7% do total de casos
novos) e a quinta causa de mortalidade por câncer, com 685 mil óbitos em 2020. Ou seja, o aumento do consumo de bebidas
alcoólicas só piora esse quadro.
Durante a pandemia, sabemos que o consumo de bebidas alcoólicas, em geral, se intensificou. Conforme mostrou uma
pesquisa feita pela Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS, em 33 países e dois territórios das Américas, 42% dos
entrevistados brasileiros relataram alto consumo de álcool durante a pandemia de covid-19.
Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, o consumo de álcool aqui supera a média mundial. Entre os 194 países
avaliados, o consumo médio para pessoas acima de 15 anos é de 6,2 litros por ano, enquanto que em nosso país é de 8,7
litros por pessoa por ano, cerca de 30% a mais.
Assim como ocorre no tabagismo, o combate a esse hábito, com implementação de protocolos mundiais, políticas federais e
estaduais, mostra-se como ferramenta da redução da incidência e mortalidade por câncer e também por outras enfermidades.
Recentemente, inclusive, um estudo desenvolvido em parceria pela Unidade de Pesquisa e Educação Clínica em Vício, pelo
Departamento de Epidemiologia e pelo Departamento de Ciências da Saúde Comunitária, ambos da Escola de Saúde Pública da
Universidade de Boston, mostrou que o aumento dos controles de álcool em 10% estava associado a uma redução relativa de
8,3% na taxa de mortalidade por câncer orofaríngeo.
É importante observar que, conforme mostram os últimos estudos publicados a respeito do processo de carcinogênese
desencadeado pelo consumo de álcool, não existe nível saudável de consumo. Com foco na prevenção de doenças, o melhor é
não dar chances aos malefícios associados a esse hábito.
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É
diretor-executivo na clínica
integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo
Brasileiro de Oncologia de
Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas
causas (carcinogênese), dos
fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo
precocemente.
Quer falar com o colunista? Envie um e-mail para andremurad@personaloncologia.com.br
© 2017 Personal Oncologia de Precisão e Personalizada | Zayin Agência Digital