Entenda como a genética individual influencia a gravidade e o prognóstico da COVID-19

Variações genéticas podem resultar em proteínas mais ou menos eficazes no reconhecimento e na sinalização da presença do coronavírus no corpo Variações genéticas podem resultar em proteínas mais ou menos eficazes no reconhecimento e na sinalização da presença do coronavírus no corpo

Estudos preliminares apontam que as características genéticas podem ser responsáveis por reações tão diferentes entre os infectados pelo SARS-CoV-2

*Dr. André Murad – Oncologista, oncogeneticista e diretor Executivo da Personal Oncologia de Precisão e Personalizada

Quem me acompanha aqui sabe que sou um completo apaixonado pelo que o entendimento da genética oferece de possibilidades de prevenção e combate a inúmeras doenças. E não poderia ser diferente em relação ao SARS-CoV-2 (sigla do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2). Perguntas como “o que faz com que uma pessoa jovem e saudável contraia o novo coronavírus e acabe lutando pela vida em ventilação mecânica, enquanto outra tem infecção praticamente assintomática?” têm sido objetivo de curiosidade de muitas pessoas.

Além disso, questiona-se “por que algumas pessoas precisam ser internadas com covid-19 (sigla do inglês, Coronavirus Disease 2019), mas não todas?” E mais: “por que algumas pessoas não "pegam" o vírus?”; “O que faz com que em um casamento, entre os convidados, apenas uma pessoa não tenha contraído o vírus?” A resposta pode estar nos genes. E há pesquisadores no mundo inteiro tentando descobrir quais.

Em geral, as informações consolidadas sobre o comportamento da doença, demonstram que a população mais idosa e com problemas de saúde preexistentes, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes e obesidade é uma das mais atingida pelo SARS-CoV-2, um retrovírus com potencial letalidade que parece poupar as pessoas relativamente jovens e predominantemente saudáveis. Mas há exceções, como os casos citados acima. Neste artigo, vou comentar sobre a resposta à agressão viral pelo compartimento genômico. Ou seja, pelas funções desenvolvidas pelo nosso conjunto de genes que compõe o nosso DNA.

Antes de tudo, é necessário entender que os retrovírus ou RNA-vírus são um grupo de vírus de RNA que se replicam para produzir DNA a partir do RNA, usando uma enzima denominada transcriptase reversa. O DNA produzido é então incorporado ao genoma do hospedeiro. Assim, os genes que compõe esse genoma interagem com a infecção pelo SARS-CoV-2.

Os pesquisadores se dedicaram, então, a identificar entre os cerca de 25 mil genes do genoma humano, aqueles que podem desempenhar algum papel na covid-19.>

Estudos preliminares – ainda não revisadas por especialistas e disponibilizadas em publicações acadêmicas – sugerem que variações em um gene denominado HLA podem ter relevância para responder às questões acima. O HLA é responsável por determinar como corpo irá fabricar determinadas proteínas utilizadas pelo sistema imunitário para o reconhecimento dos microrganismos que invadem nosso corpo. A partir daí dessa identificação, esses microrganismos são marcados como alvos e eliminados.

Um modelo computadorizado criado por pesquisadores da Oregon Health and Science University sugeriu que variações deste gene entre diferentes pessoas podem resultar em proteínas mais ou menos eficazes no reconhecimento e na sinalização da presença do coronavírus no corpo. Isso, seria uma possível resposta sobre o por que de algumas pessoas serem tão afetadas pelo vírus, enquanto outras têm sintomas mais leves que um resfriado ou até são assintomáticas. Para comprovar a teoria, os pesquisadores utilizaram pesquisas genéticas anteriores feitas com pessoas com quadro de síndrome respiratória aguda grave (SARS, sigla do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome) durante o surto ocorrido entre 2002 e 2004, causado por outro tipo de coronavírus.

Ateoria constatou que pessoas com determinadas versões de HLA tiveram a forma mais grave da doença em comparação com outras pessoas, com outras versões de HLA. No entanto, as simulações computadorizadas não dão respostas conclusivas: apenas estudos genéticos feitos com pacientes que de fato tenham tido covid-19 podem confirmar essa teoria sobre o gene HLA.

Paralelo a isso, outras possibilidades são investigadas, e exemplo do gene TMPRSS2, que também desempenha papel na gripe e é responsável por criar uma proteína que o coronavírus utiliza para entrar nas células humanas. Algumas pessoas produzem altos níveis desta proteína, enquanto outras produzem níveis bem mais baixos. Então, as pesquisas buscam comprovar que pessoas com menor produção desta proteína têm melhor desfecho quando infectadas pelo novo coronavírus. Caso isso se comprove, novas pesquisas poderiam se debruçar em desenvolver estratégias terapêuticas à partir da interferência nesse gene.

O gene da enzima conversora da angiotensina 2 (ECA2) também está na mira dos pesquisadores. Este gene ajuda a produzir receptores de ECA2 na superfície das células humanas. O coronavírus, cujo relevo apresenta protuberâncias, insere suas cerdas nestas "portas", que são os receptores ECA2 e, assim, se fixa na célula.

As pesquisas sobre a interação da genômica e COVID-19 estão em plena ebulição. Para os pesquisadores, também é importante fazer buscas no genoma humano sem partir de nenhuma premissa, dado que estudos na área da genética frequentemente apresentam resultados surpreendentes. Em linguagem coloquial, se somente os suspeitos forem interrogados, é possível que as investidas de cúmplices anônimos passem despercebidas.

É por isso que os pesquisadores estão explorando todo o genoma das pessoas contaminadas pelo covid-19 com diferentes quadros clínicos. E, neste sentido, os pacientes "fora da curva", ou seja, com evolução anômala, são de grande interesse. Um tipo de paciente "fora da curva" é o que evolui de forma grave sem nenhuma explicação. "Por exemplo, alguém com menos de 50 anos e que correu uma maratona no ano passado, mas que, agora, está entubado em uma unidade de tratamento intensivo (UTI)”.

Outros pacientes do tipo "fora da curva" que são de interesse para os estudos são as pessoas que sofreram repetidas exposições ao coronavírus, mas que, como verificado em exames de sangue, nunca o contraíram. Isso sugere que essas pessoas têm resistência intrínseca à infecção. As pesquisas mostram que os nossos genes são capazes de nos tornar imunes a doenças contagiosas. Os genes podem nos tornar imunes ao HIV, ao norovírus (agente etiológico comum da diarreia) e a outras doenças adquiridas por contágio direto com outros humanos.

Amostras de DNA de algumas centenas de pacientes do tipo "fora da curva" com covid-19 têm sido sequenciadas em vários laboratórios para que se possa decifrar seus códigos genéticos para ver se a evolução incomum apresentada se deve a variantes genéticas ou a versões do gene, em comum.

Como as informações poderão ser aplicadas na prática

Os pesquisadores na área da genética sempre precisam ter o cuidado de temperar as esperanças com uma pitada de realidade: algumas vezes, simplesmente não haverá nenhum achado espetacular. O desfecho mais comum dos estudos em genética é não se encontrar nada. Entretanto, é possível que identifiquemos variantes genéticas com influência na suscetibilidade à infecção ou no curso da doença.

Descobertas relacionadas com raízes genéticas das doenças, caso ocorram, podem colaborar para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento. Se tivermos informações sobre quem tem mais propensão genética para contrair a doença, os profissionais de saúde poderão oferecer orientações personalizadas em termos de prevenção.

Caso venha a ser identificado que um gene pode ser o responsável por fazer pessoas essencialmente sadias ocuparem leitos de UTI, os profissionais de saúde terão a possibilidade de observar certos pacientes com covid-19 mais de perto ou oferecer mais opções de tratamento preventivo para as pessoas com predisposição genética e cujo resultado do teste tenha sido positivo.

Quando os pesquisadores descobrirem um gene capaz de deter a progressão da doença ou auxiliar no tratamento, será possível tentar identificar ou desenvolver medicamentos que aumentem ou reduzam a atividade deste gene específico. Apesar de todos estes novos conhecimentos, devemos ressaltar sempre que a prevenção, o diagnóstico e o tratamento são os três pilares fundamentais da medicina.

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

Quer falar com o colunista? Envie um e-mail para andremurad@personaloncologia.com.br

Fonte: Saúde Plena

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