Atraso no tratamento do câncer aumenta risco de morte em até 13% a cada mês

Estudos iniciados para a melhor compreensão do impacto do atraso do tratamento durante a pandemia servem de alerta sobre a necessidade de otimização dos sistemas globais de saúde

André Murad - Oncologista, diretor Executivo da Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e Oncogeneticista no Centro de Câncer Brasília / Cettro

Desde o início da quarentena, quando percebi que pacientes começaram a desmarcar consultas e que os novos pacientes pararam de chegar para que fossem diagnosticados, tenho alertado sobre as consequências futuras da interrupção de tratamentos e do aumento dos diagnósticos tardios. Não demorou muito para que as inúmeras entidades médicas responsáveis divulgassem dados preocupantes. Recentemente uma pesquisa liderada por Timothy Hanna, da Queen's University em Kingston, Canadá e publicada online no The BMJ - British Medical Journal apresentou novas informações sobre o fenômeno: pessoas cujo tratamento para o câncer está atrasado em até um mês têm, em muitos casos, um risco 6 a 13% maior de morrer - um risco que aumenta à medida que o tratamento não começa.

Os pesquisadores canadenses e britânicos descobriram que havia um impacto significativo na mortalidade de uma pessoa se o tratamento fosse adiado, seja cirúrgico, terapia sistêmica (como quimioterapia) ou radioterapia.

Para chegar a esses resultados, a equipe de pesquisadores realizou uma revisão e análise de estudos relevantes sobre o assunto, publicados entre janeiro de 2000 e abril de 2020, e que continham dados sobre intervenções cirúrgicas, terapias sistêmicas (como quimioterapia) ou radioterapia para sete formas de câncer: bexiga, mama, cólon, reto, pulmão, colo do útero e cabeça e pescoço, que representam juntos 44% de todos os casos de câncer registrados no mundo.

Eles encontraram 34 estudos adequados para 17 tipos de condições que precisavam ser tratadas (indicações) envolvendo mais de 1,2 milhão de pacientes, em conjunto. A associação entre atraso e aumento da mortalidade foi significativa para 13 dessas 17 indicações. A análise dos resultados mostrou que em todas as três abordagens de tratamento, um atraso no tratamento de quatro semanas foi associado a um aumento no risco de morte.

Para a cirurgia, este foi um aumento de 6 a 8% no risco de morte para cada atraso de tratamento de quatro semanas, enquanto o impacto foi ainda mais acentuado para algumas radioterapia e indicações sistêmicas, com um risco de morte de 9% e 13% para o definitivo radioterapia de cabeça e pescoço e tratamento sistêmico adjuvante (acompanhamento) para câncer colorretal, respectivamente.


Além disso, os pesquisadores calcularam que atrasos de até oito semanas e 12 semanas aumentaram ainda mais o risco de morte e usaram o exemplo de um atraso de oito semanas na cirurgia de câncer de mama, que aumentaria o risco de morte em 17%, e de 12 semanas de atraso que aumentaria o risco em 26%.

Um atraso cirúrgico de 12 semanas para todos os pacientes com câncer de mama por um ano (por exemplo, durante o bloqueio e recuperação do COVID-19) levaria a 1.400 mortes em excesso no Reino Unido, 6.100 nos Estados Unidos, 700 no Canadá e 500 na Austrália, assumindo que a cirurgia foi o primeiro tratamento em 83% dos casos, e a mortalidade sem demora foi de 12%.

Apesar de ser baseado em dados de pesquisas observacionais que não podem estabelecer perfeitamente a causa, os resultados dessa análise podem ser usados para elaboração de políticas focadas em minimizar os atrasos no início do tratamento do câncer, o que deverá melhorar os resultados de sobrevivência da população.

Como não é possível reverter os acontecimentos e as vidas perdidas pela pandemia, que os dados e conhecimentos gerados nesse período sirvam pelo menos para que avancemos como humanidade e na solução de outros problemas que afligem o planeta, pois afinal, o câncer é responsável por pelo menos 7,6 milhões de mortes a cada ano. Esse número poderia ser bem menor!

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente. andremurad@personaloncologia.com.br

Fonte Saúde Plena: Jornal Estado de Minas
https://www.uai.com.br/app/noticia/saude/2019/10/28/noticias-saude,252556/precisamos-falar-sobre-cancer.shtml

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